É com muito gosto que, após o período pandêmico, hajam novamente eventos nos quais há a oportunidade de interagir com novas pessoas que estão se desenvolvendo no mundo dos vinhos. Sendo isso fato recente, disponibilizei este material com o objetivo de clarificar a respeito da análise sensorial. Afinal de contas, o que ela é? É objetiva ou subjetiva? É ciência?
A análise sensorial, é definida pela NBR 12806 de 1993 como sendo a disciplina científica usada para evocar, medir, analisar e interpretar reações das características dos alimentos através dos sentidos.
O ser humano possui a habilidade natural para avaliar alimentos e a análise sensorial é uma ferramenta usada para comparar, diferenciar e quantificar as características dos alimentos. Com o emprego desta habilidade, padronizando-se a técnica e aplicando-se tratamento estatístico adequado, obtém-se resultado.
A análise sensorial pode ser utilizada para avaliar:
- O bom andamento do processo
- Seleção de matéria-prima a ser utilizada
- Efeito do processamento
- Qualidade do sabor
- Estabilidade de armazenamento
- Reação do consumidor
Para alcançar o objetivo são elaborados os métodos para obter a resposta da maneira mais adequada, visando a proposta do produto. Henry Adams escreveu: “Todo mundo carrega sua própria regra de gosto, e se diverte em aplicá-la, triunfante, onde quer que viaje”. A frase evidencia a distinção entre degustação, na qual é realizada uma avaliação de gosto de cunho pessoal, e a análise sensorial, na qual há uma descrição e/ou caracterização a partir de parâmetros.
No passado, os alimentos e bebidas produzidos eram avaliados em sua qualidade por um expert, dependendo exclusivamente da acuidade dessa pessoa. E essa realidade “era” particularmente verdade no mundo vinícola.
Dentro da análise sensorial, o treinamento desempenha um papel crucial, pois através dele que ocorre, assim como na calibragem de um equipamento laboratorial, a determinação de uma convenção de nomenclaturas e parâmetros para a interpretação dos sentidos.
Historicamente, acredita-se que a análise sensorial tenha surgido durante a segunda guerra mundial, na produção de alimentos de qualidade que não fossem rejeitados pelos soldados. Os primeiros registros do emprego da análise sensorial como controle de qualidade ocorreu somente nos anos 1980, enquanto a sua determinação como ciência (pelo IFT.org - The Institute of Food Technologists) é datada em 1975. No Brasil, acredita-se que em 1954 a análise sensorial já era empregada na avaliação do café.
Análise sensorial
Método científico
Medir com sentidos
Testes sensoriais
Treino e/ou seleção de painel
Análise estatística dos resultadosDegustação
Abordagem não científica
Registra sensações
Experiência de experts
Confusão entre qualidade e preferência pessoal
Sem avaliação de precisão dos resultadosO corpo é dotado de um complexo sistema de órgãos sensoriais sensíveis a estímulos. Cada órgão sensorial possui células especializadas que convertem a percepção do estímulo (físico ou químico) em impulsos elétricos, processo denominado transdução sensorial. Porém, apesar dos órgãos sensoriais operarem de maneira similar entre diferentes pessoas, cada uma destas tem percepção hedônica, pois a interpretação do conjunto de sensações baseia-se na experiência pessoal. O participante de um painel de análise sensorial deve procurar usar-se como instrumento na avaliação das características, deixando em segundo plano o gosto pessoal.
A avaliação sensorial, por apenas um indivíduo, é considerada subjetiva e depende:
- do meio ambiente
- do estado de saúde da pessoa
- da presença / falta de experiência
- da tendência a comparação ao invés da mensuração
- da inclinação pessoal
Para considerar-se objetiva, aplica-se:
- delineamento experimental
- análise estatística
Etapas da análise sensorial de vinhos
A análise sensorial global de vinhos envolve a interpretação do caráter visual, olfativo e gusto-olfativo do produto sendo avaliado.
Uma análise visual procura considerar:
- Tonalidade de cor - pode ser um indicador de propriedades oriundas da variedade de uva, bem como da idade e estado de conservação do produto
- Intensidade de cor - indica opções tecnológicas no processo (por exemplo, a intensidade do período de maceração), bem como a carga de polifenóis próprias de variedades
- Limpidez - Se é brilhante, velado, opaco, usualmente interligado a práticas de clarificação e filtração
Já a análise olfativa irá constatar:
- Gama de aromas – que podem ter vínculo a características varietais, sejam diretas ou enunciadas no processo fermentativo, práticas enológicas, bem como do amadurecimento
- Complexidade – a quantidade de aromas e a transitoriedade deles (evolução na taça), podendo remeter a características de terroir, questões climáticas da safra, grau de maturação das uvas e práticas no processamento
- Retro aroma – a percepção na boca, através da via retro nasal
É importante que se realize a análise olfativa em três momentos distintos, com a taça em repouso, sob leve agitação e agitação intensa. Dessa maneira será mais evidente a evolução do bouquet à medida que ocorrem as reações oxidativas que, por muitas vezes, fazem com que a molécula passe a um formato ao qual o limiar de percepção seja deslocado.
O tato também irá permitir a avaliação de:
- Temperatura – a própria temperatura de serviço e a intensidade alcoólica
- Adstringência – que é vinculada usualmente à composição fenólica do produto
- Corpo – geralmente associado à untuosidade, que apesar de ser usualmente associada à composição proteica, pode ter ligação a compostos oriundos da fermentação malolática e do desvio à glicerol (gliceropirúvica) durante a fermentação alcoólica
De maneira geral, “em boca”, avalia-se: gosto, tato (através das percepções de “ataque” e evolução), retro aroma (ou aroma em boca) e a persistência (que usam algumas escalas básicas, por exemplo, até 3 s curtos, 4 a 7 médios, > 8 s persistentes, porém deve-se ter alguma cautela considerando o tipo de proposta de produto).
Fatores e erros
Diversos fatores auxiliam o processo de análise sensorial:
- Memória sensorial
- Concentração do julgador
- Experiência prévia
- Laboratório (ambiente) adequado
- Condições experimentais adequadas
- Horário (nunca após refeições)
- Instruir provadores a não usar perfumes, ingerir alimentos ou fumar por, pelo menos, 20 minutos antes do teste
- Remover sabores entre as amostras – água, água morna, bolacha salgada neutra, pão
- Instruções claras e objetivas ao provador
- Motivação
- Provocar interesse explicando o projeto
- Apresentar os resultados ao final
- Elogiar e realizar críticas construtivas
- Boa saúde
- Ausência de infecções e aparatos bucais
- Reprodutibilidade de julgamento
- Não-aversão ao tipo ou classe de produto
- Tranquilidade mental para a realização dos testes
- Melhores horários: 10-11h e 15-16h, não durando mais de 20 minutos
Erros:
- Erro de contraste: Amostra de qualidade superior após amostra de qualidade inferior é supervalorizada caso provada sozinha
- Erro lógico: Associação de características (por exemplo, entre cor x gosto, um vinho branco muito claro pode ser percebido como mais ácido)
- Erro de indulgência: Provador se deixa influenciar por seu relacionamento com o experimentador
- Erro de estímulo: A partir de informações da apresentação (recipientes, cor, formato)
- Erro de expectativa: Influência do conhecimento prévio do produto (por exemplo, ao saber o cultivar, buscar e perceber características típicas dele)
Qualidade e métodos clássicos
Qualidade pode ser definida como uma propriedade que determina a essência ou a natureza de um ser ou coisa, ou um grau negativo ou positivo de excelência.
A qualidade do vinho está associada com a relação das características visuais, de sabor, tátil e de aroma. A percepção de qualidade superior advém da comparação de um produto em relação a outro.
Métodos analíticos
Os métodos analíticos podem ser divididos em três categorias: discriminativos, descritivos e hedônicos.
Os métodos discriminativos são aqueles no qual a amostra de referência é apresentada junto de outras para verificar a perceptividade da diferenciação. Por exemplo, no teste duo-trio, três amostras são apresentadas, sendo que duas são iguais e uma diferente. Esse tipo de teste é usado para indicar a diferença sensorial entre as opções. A análise dos resultados é feita com um teste estatístico, considerando um nível de significância, no qual a hipótese nula é de que não é possível distinguir entre as amostras. Outro teste discriminativo similar é o teste de ordenação, na qual o provador deve organizar em ordem crescente de um atributo determinado as amostras (duas ou mais). Esse tipo de teste pode trabalhar com apenas um atributo (doçura, acidez). É um tipo de teste que pode ser usado para treino ou seleção de provadores. Já no teste de comparação múltipla, o provador deve avaliar a magnitude da diferença de diversos atributos em relação a uma amostra de referência.
Os métodos puramente descritivos, sem critérios pré-estabelecidos, não são instrumentais. Em uma abordagem alternativa, faz-se uma análise de perfil sensorial que busca descrever o produto empregando o mínimo de descritores e com o máximo de eficácia, considerando a intensidade dos atributos, neste caso, realizando-se uma Análise Descritiva Qualitativa (ADQ), método da ferramenta de avaliação disponível neste site. Algumas considerações podem ser interessantes de serem citadas, como o número de provadores treinados (máximo de 25, geralmente entre 10 e 15), e o número de amostras (recomendando-se um máximo de 5).