Resenha do artigo "The Biochemistry of Malic Acid Metabolism by Wine Yeasts - A Review", publicado no South African Journal for Enology and Viticulture (páginas 113-122) em janeiro de 2006. O artigo escrito por M. Saayman e M. Viljoen-Bloom, membros do Departamento de Microbiologia da Stellenbosch University, África do Sul, pode ser encontrado no ReseachGate.Segundo o artigo, para a produção de vinhos de qualidade, muitas vezes é exigido um ajuste adequado da acidez em relação aos outros componentes do vinho, de modo a criar um produto bem balanceado. Uma prática comum de desadicificação é a conversão do ácido málico em ácido lático (fermentação malolática), utilizando estirpes de Oenococcus oeni. Uma alternativa a esse método é a desadicificação biológica utilizando estirpes de leveduras aptas a degradar o ácido málico presente no mosto. No entanto, nem todas leveduras possuem a capacidade de sobreviver nas condições associadas ao mosto e vinho, e algumas podem ser consideradas responsáveis por agregar características indesejadas ao produto.
O processo de degradação do malato foi estudado detalhadamente com algumas espécies de leveduras, incluindo S. cerevisiae, S. pombe, Candida utilis; e com investigações limitadas em Hansenula anomala, Pichia stipitis, Kluyveromyces marxianus, Z. bailii e Schizosaccharomyces pombe var. malidevorans. As leveduras são separadas em K(+) e K(-) conforme sua capacidade de utilizar o L-malato e outros ácidos tricarboxílicos como única fonte carbônica.
A Saccharomyces cerevisiae é a principal levedura utilizada na fermentação do vinho, não por ser prevalente nas uvas, mas por sua tolerância a estresses naturais, inibidores químicos e à interação com outros fungos e bactérias. Outro fator relevante é a tolerância ao etanol. Algumas estirpes como Schizosaccharomyces pombe, Zygosaccharomyces bailli e Zygosaccharomyces fermentati possuem tolerância a concentrações maiores a 10% de etanol, porém usualmente não dominam o meio pela sua baixa taxa de crescimento.
A habilidade de uma estirpe de levedura em degradar o L-malato extracelular depende do transporte eficiente do ácido dicarboxílico, bem como da eficiência da enzima málica intracelular. Fatores como a presença de oxigênio e de glicose afetam a eficácia da degradação do ácido málico.
A levedura Saccharomyces cerevisiae não possui um sistema de transporte para o L-malato. O L-malato extracelular somente entra nas células desta estirpe via difusão simples. Além disso, a enzima málica da Saccharomyces cerevisiae possui uma menor afinidade para o L-malato quando comparada a Saccharomyces pombe. Continuando, a enzima málica da S. cerevisiae é mitocondrial, enquanto a S. pombe possui enzima málico citosólica.
Vários mecanismos foram descritos como reguladores da atividade das enzimas málicas. Em fungos e bactérias, essa atividade é normalmente regulada por competição e ativação de outros ácidos dicarboxílicos.
Os genes que codificam a malato permease (mae1) da S. pombe e os genes maloláticos (mleA) da O. oeni foram clonados e expressos na S. cerevisae com sucesso em laboratório. Uma estirpe comercial, denominada ML01, foi criada utilizando os genes mae1 e mleA no genoma da S. cerevisae S92. Todas as característica da S92 foram mantidas, adicionadas a capacidade de competir pelo ácido málico durante os estágios iniciais da fermentação alcoólica. A ML01 recebeu o estatus GRAS (Generally Regarded as Safe) do FDA e já é um produto comercial nos Estados Unidos.
A tomada e degradação do L-malato extracelular de uma estirpe Saccharomyces bayanus EC1118 foi bastante aumentada com a incorporação dos genes mae1 e mae2 da S. pombe. Esta estirpe modificada mostrou-se eficiente numa fermentação malo-etanólica, com a degradação extracelular completa do ácido málico em 1, 1,5, 2 e 5 dias em mostos de Cabernet Sauvignon, Ruby Cabernet, Colombard e Chardonnay, respectivamente, isto sem afetar a capacidade fermentativa da levedura e sem gerar sabor perceptível.
No experimento do artigo "Functional Analyses of the Malolactic Wine Yeast ML01", de John I. Husnik, Pascal J. Delaquis, Margaret A. Cliff, e Hennie J.J. van Vuuren (2007), eles constataram a eficácia da estirpe ML01 em descarboxilar o malato em lactato nos cinco primeiros dias de fermentação a 20 ◦C. Em temperaturas mais baixas, o tempo, como esperado, se prolonga.
Outras modificações secundárias puderam ser observadas na comparação da vinificação com a estirpe ML01 e a Saccharomyces cerevisiae S92 e bactérias láticas. Na coloração do vinho de Cabernet Sauvignon, o produto da vinificação com a estirpe modificada apresentou uma coloração mais escura, e no Chardonnay, o oposto, menor intensidade de coloração. A análise de componentes voláteis e sensorial comprovaram um aspecto superior de maneira geral no produto da fermentação com a levedura modificada. A parte disto, observou-se que o uso desta levedura pode previnir ou limitar a produção de aminas biogênicas.
A utilização de leveduras malo-etanólicas pode eliminar a aplicação de bactérias para a fermentação malolática durante o processo de vinificação, reduzindo o risco de produção de componentes perigosos como aminas biogênicas e carbamato de etila. Além disso, a aplicação de leveduras desse tipo pode reduzir o tempo de vinificação pela paralelidade das fermentações. A aplicação para a obtenção de destilados também é um possível uso, dado que níveis mais altos de etanol são obtidos durante a fermentação usando leveduras malo-etanólicas.
Pessoalmente, julgo o artigo de revisão sólido por apresentar informações relevantes e técnicas de forma simples e por tratar da transgenia como uma possibilidade para a obtenção de aperfeiçoamento do processo e consequentemente, do produto. A transgenia é um tema ainda muito controverso, mas espero ansiosamente que ela traga benefícios para a indústria vitivinícola, não somente através de melhorias para os processos bioquímicos na vinificação, como no caso das leveduras, mas também para a matéria-prima.